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Edição "Sonhos"

n.4/2021
A Obra

Esta é a quarta edição da revista Coniunctio. Como seu próprio nome indica, o Ichthys Instituto de Psicologia Analítica pretende, por meio de seus professores e alunos − e à luz de um sempre renovado olhar − rever aquilo que os antigos alquimistas chamavam de arte e que a psicologia analítica chama de processo. Tais autores já pressentiam a presença de uma dynamis filosófico-religiosa nos caminhos dessa arte, mas ainda não utilizavam os termos psíquicos que a psicologia profunda veio inserindo ao traduzir a sua linguagem simbólica em uma nova linguagem do inconsciente.

O problema central de todo o conhecimento que hoje se busca revigorar à luz de um novo olhar − a cada texto, a cada releitura associada às mesmas e eternas experiências − é o como da realização de um processo individual, parte fundamental do autoconhecimento. Nesse sentido, a finalidade do Ichthys e de seus alunos e professores é, por meio de cursos de extensão, seminários, jornadas, workshops, simpósios, cursos de pós-graduação etc., ampliar e aprofundar os caminhos da busca do conhecimento e do autoconhecimento. Os programas nas áreas de Psicologia Analítica, Filosofia, Religião e Arte buscam mobilizar as autênticas possibilidades de expressão da alma humana e do espírito criativo.

De forma experiencial e não estritamente acadêmica, as atividades do ICHTHYS objetivam despertar a sensibilidade, a criatividade e a autenticidade dos que estão comprometidos com a sua própria busca interior de modo ético e edificante. Acreditamos que a educação abrange o reconhecimento e a possibilidade do desenvolvimento da personalidade, até que se cumpra sua singular designação: tornar-se um indivíduo.

A CAPA

A capa desta edição foi inspirada na série chinesa Ashes of Love (As cinzas do amor), no instante em que a heroína se lança, em ato de sacrifício máximo, no ponto em que se enfrentam as forças do céu e do inferno. A força do céu é representada pelo Imortal da Noite, Run Yu, um dragão branco (Luo Yunxi), enquanto que a força do inferno é representada pelo Imortal do Fogo, Xu Fen, também um demônio (Deng Lun). Jim Mi é a figura feminina, ânima, nascida de uma trágica história de amor entre o Imperador Imortal e uma Fada Floral. Seu nascimento faz com que se desencadeiem todos os eventos de uma trama arquetípica, lembrando a todos nós que tramas arquetípicas repetidamente ocorrem em nossas vidas, com maior ou menor intensidade.

Com uma produção de arte monumental, envolvendo cenários e música, a trama é baseada no romance de Heavy Sweetness, Ash Like Frost, e conta histórias de amor entre as divindades (arquétipos) que compõe o inconsciente coletivo, bem como suas possibilidades de encarnação no humano em certas etapas da vida e de acordo com a individualidade de cada pessoa.

O EDITORIAL

A psique existe, ainda que não numa forma física, e na psicologia analítica é de fundamental importância o conhecimento de uma primeira antinomia básica: a psique depende do corpo e o corpo depende da psique. Devido às sutilezas desse discernimento, é comum o pensamento de que os acontecimentos psíquicos são unicamente produtos arbitrários ou invenções da consciência e que os conteúdos do inconsciente não são mais do que opiniões, ilusões ou conjecturas fantasiosas. No entanto, o fato é que certas ideias, imagens e emoções ocorrem em todas as épocas de modo espontâneo e, não sendo criadas pelo indivíduo, irrompem na consciência individual ao modo de fantasias, mitos, contos de fadas, sonhos e visões.

Ao tratar dos sonhos, Jung propôs classificá-los como pequenos sonhos (ou sonhos comuns) e grandes sonhos (sonhos arquetípicos), sendo possível uma interligação entre os dois modos de apreensão do sonho. Os sonhos, dos quais alguns exemplos significativos são tratados nesta revista, são portadores da voz do desconhecido em nós. A voz pode ser uma imagem, um cheiro, um toque ou, literalmente, um som sem imagem. Ao aparecer nos sonhos, a voz pode trazer tendências imprevistas, perigosas, e incontroláveis revelações; as profecias. Exemplo disso, nos lembra Jung, é o de Oséias, que recebe de Deus a ordem de casar-se com uma mulher pública para obedecer à ordem do Senhor; ao ego parece um absurdo obedecer (saber ouvir) um comando da voz interior como esse. Dada a sua importância, o fenômeno da voz nos sonhos nos sonhos e visões será tratado de modo especial.

Ao estudar amplamente a função dos sonhos e sua influência na vida do homem, Jung cita um tratado da Idade Média em que Benedictus Pererius, S.J., assim os apresenta: “Com efeito, Deus não está ligado às leis do tempo e não precisa de ocasiões determinadas para agir, pois inspira seus sonhos em qualquer lugar, sempre que quiser e a quem quiser” (JUNG, 1980: 32)[1]. Examinando e investigando os sonhos, Pererius classificou-os: “muitos são naturais, vários são humanos e alguns podem ser divinos” (idem, ibidem). É desse modo então que os sonhos são entendidos: como enviados por Deus, como uma concessão ou um dom especial do sonhador, e é o próprio sonho que revela sua veracidade e até mesmo sua interpretação. No entanto, a esta compreensão agrega-se a afirmação de que a arte da interpretação dos sonhos está reservada “às pessoas dotadas, ex officio, com o donum spiritus sancti” (idem, ibidem). Assim, é significativo indagar se o sonho extrai seu material dos conteúdos conscientes, ou se devem ser entendidos como fontes de informações e tendências do inconsciente profundo que tocam os limites do religioso.

Em 1999, a editora Vozes publicou um relevante estudo sobre o tema, o livro O Elixir vermelho…muitos falam de amor…, de Sonia Lyra[2]. Entre mais de dois mil sonhos de uma mesma sonhadora, foram selecionados 178 sonhos, todos eles entendidos como grandes sonhos e por meio da análise dessa série de sonhos é possível constatar a realização do processo de individuação da sonhadora. É próprio da psicologia analítica não interpretar sonhos isolados, pois, diz Jung, “via de regra, o sonho é parte integrante de uma série” (idem: 53), sendo provável que exista uma continuidade na expressão da cadeia de fenômenos inconscientes que chegam até a consciência.

É incomensurável a amplidão da psique inconsciente, que com frequência apresenta conteúdos de compreensão e saber superiores; o indivíduo por si mesmo é incapaz de produzir esses conteúdos, pois refletem a atividade espontânea e autônoma da psique objetiva. Os sonhos são, pois, constituídos de material do inconsciente coletivo, ou seja, ainda que preponderantemente individuais, uma vez que ninguém terá sonhos como os meus, ainda assim os problemas que apresentam são sempre idênticos revelando materiais mitológicos através de seus símbolos.

Um dos grandes símbolos que aparecem nos sonhos é o da coniunctio. A coniunctio traz consigo uma imagem apriorística em que “o amor tende a vencer os antagonismos, a assimilar forças diferentes, integrando-se em uma mesma unidade” (Lyra, 1999: 307), o que permitirá a realização de uma síntese dinâmica de suas virtualidades. Nesses estados de coniunctio, a consciência está liberta do passado e ‘des-pré-ocupada’ com o futuro, vivendo simplesmente no presente, pois na coniunctio a perspectiva temporal já não predomina e a relação verdadeira das coisas com suas infinitas possibilidades se revela. Aqui, o que gera e o que é gerado tornam-se um.

Todo esse processo de transformação pode ser constatado ao longo de séries de sonhos e visões, bem como da Imaginação Ativa; o processo é representado especialmente por símbolos de transcendência, como o voo dos pássaros – a exemplo de Simurg: o pássaro solitário do Sufismo −, e, segundo a lenda, é uma forma que os imortais adotam para falar (sem palavras) da leveza e da liberação do peso terrestre.

Falar sobre esses processos de transformação do homem natural em homem espiritual é certamente um privilégio, mas vivê-lo é indescritível de fato. Talvez o sonho, com sua plasticidade e emoção, consiga trazer alguma intuição quando o sonhador diz:

Sonhei que chego a um castelo, num lugar no interior e entro: é belíssimo. Vejo entalhes feitos à mão em paredes inteiras, em móveis. Chego a uma sala pintada em tons de azul e dourado de uma beleza que me fazem chorar … penso que a sala azul para meditação é tudo de que se precisa.

O sonhador chega a esse lugar no interior de si mesmo, entra e então experimenta algo de uma beleza extraordinária que o faz chorar. Que emoção é essa? Que impacto é esse que o sonho provoca? Os poetas e as orações que também acompanham os sonhos talvez ousem expressar com palavras, quando dizem: “Caminho sempre para ti com todo meu caminhar, pois, quem sou eu e quem és Tu só nós o compreendemos” (Lyra, 1999: 292). Comentando um sonho, a sonhadora faz alusão a esse estado:

Sonhei que Sou prisioneira da mais pura liberdade. Minha prisão não tem mais paredes, daí que não há fugas possíveis, pois não há para onde ir… as paixões parecem ter se diluído como sal na água. Não o amor. O amor é o ‘pano de fundo’ no qual flutua a pequena rolha, minha identidade.hego a um castelo, num lugar no interior e entro: é belíssimo. Vejo entalhes feitos à mão em paredes inteiras, em móveis. Chego a uma sala pintada em tons de azul e dourado de uma beleza que me fazem chorar … penso que a sala azul para meditação é tudo de que se precisa.

Tais comentários, que em geral o sonhador anota em cadernos de sonhos, são denominadas associações livres, e a ninguém os cabe julgar, se são verdadeiros ou falsos, se estão certos ou errados. A validade da interpretação que traz sentido é efetiva apenas para quem sonha. “É na realização da liberdade humana que radica a realização da essência humana e, com ela, a efetivação da presença oculta de Deus no íntimo do próprio homem” (Lyra, 1999: 293). Tal liberdade também é denominada apathéia, a qual é resultado imediato da coniunctio.

Sonia Lyra
Editora

[1] Jung, C.G. (1980). Psicologia da religião ocidental e oriental. OC, 11. Petrópolis: Vozes.

[2] LYRA, S.R. (1999). O Elixir vermelho…muitos falam de amor… Petrópolis: Vozes.

A DANÇA DOS ARQUÉTIPOS

Para ilustrar a dança dos arquétipos, tal como se manifestam na trama de Ashes of Love, apresenta-se a seguir um sonho relatado por Jung em que o inconsciente parece pensar e preparar soluções. É o sonho de um jovem estudante de teologia:

Ele estava na presença de um velho bonito, todo vestido de preto. Sabia que era um mago branco. Este acabara de falar longamente com ele, mas o sonhador não se lembrava do que ouvira. Somente se lembrava das seguintes palavras: “E para isto precisamos da ajuda de um mago negro”. Neste momento abriu-se uma porta e um velho semelhante ao primeiro entrou, mas estava vestido de branco. Ele disse ao mago branco: “Preciso de teu conselho”, lançando um olhar interrogativo e de soslaio ao sonhador. O mago branco então falou: “Podes falar sem receio, ele é inocente”. O mago negro começou então a contar sua história. Ele viera de um país distante, onde ocorrera algo estranho. O país era governado por um velho rei que estava prestes a morrer. Ele – o rei – escolhera para si um túmulo. Pois naquele país havia um grande número de túmulos dos velhos tempos, e o rei escolhera para si o mais belo. Segundo a lenda, uma virgem nele estava sepultada. O rei ordenou que o túmulo fosse aberto a fim de prepará-lo para si. Mas quando os ossos foram expostos ao ar reanimaram-se subitamente, transformando-se num cavalo negro, que fugiu imediatamente para o deserto e nele desapareceu. O mago negro ouvira falar dessa história e logo pôs-se a caminho para seguir o cavalo. Depois de muitos dias seguindo os seus rastros, chegou ao deserto, atravessou-o até encontrar de novo campos verdes. Lá encontrou o cavalo pastando e descobriu alguma coisa, precisando por isso do conselho do mago branco. Encontrara as chaves do paraíso e não sabia o que fazer com elas. Neste momento emocionante o sonhador acordou (Jung, 2000: 71)[1].

O inconsciente coletivo precisa expressar-se por meio de imagens, como as que aparecem nesse sonho ou nas séries que estamos nos propondo analisar, trazendo representações formadas arquetipicamente. Como tal, o inconsciente coletivo

… é tudo, menos um sistema pessoal encapsulado, é objetividade ampla como o mundo e aberta ao mundo. Eu sou o objeto de todos os sujeitos, numa total inversão de minha consciência habitual, em que sempre sou sujeito que tem objetos. Lá eu estou na mais direta ligação com o mundo, de forma que facilmente esqueço quem sou na realidade (Jung, idem: 46).

Jung comenta que, perdidos de nós mesmos, devemos querer saber quem somos. “Para citar um exemplo: todos querem a paz e o mundo inteiro se prepara para a guerra” (Jung, idem: 49) e são os deuses afinal que lhes indicam os caminhos e o destino. Atuando por trás dos cenários do mundo, os deuses a que hoje chamamos de fatores, ou ainda de sintomas, geram continuamente a imprevisibilidade psíquica que nos aterroriza, sendo, portanto, o verdadeiro perigo que ameaça nossa existência.

Esse inconsciente, cenário de fundo da vida consciente, “contém a água viva, espírito que se tornou natureza, e por isso está perturbado” (Jung, idem: 50). Experiências com os sonhos mostram que um tesouro jaz no fundo do mar ou enterrado no campo. Alguns tentam encontrá-lo!

[1] JUNG, C.G. (2000). Os arquétipos e o inconsciente coletivo. OC, 9/1. Petrópolis: Vozes.

ARTIGOS E RESUMOS
Sonia Lyra
Sonhos de Akira Kurosawa: campos de trigo e corvos
(Sonia Lyra)
Tendo estreado na França a 11 de maio de 1990, o filme Sonhos, de Akira Kurosawa (1910-1998), é retomado aqui como uma possibilidade de ver, em um dos sonhos apresentados no filme e escolhido aleatoriamente, certos aspectos ou motivos que dão indícios de fatores criativos subjacentes. Cuidadosamente guardados pelo cineasta ao longo de sua vida, esses sonhos fazem parte dos assim chamados grandes sonhos. Sejam sonhos oníricos, sonhos lúcidos, visões ou impressões visuais e/ou hipnagógicas, emergem das profundezas da alma, isto é, do inconsciente coletivo e de seu centro organizador, denominado si-mesmo pela psicologia analítica. Oito sonhos compõem o filme: A tormenta de neve; Corvos; Um raio de sol através da chuva; O jardim dos pessegueiros; Monte Fuji em vermelho; O demônio choroso; A aldeia dos moinhos d’água; e O túnel. Pretende-se aqui analisar o sonho Corvos, ampliando brevemente dois dos motivos nele contidos: os corvos e o sol, agregando nessa análise material teórico e mítico, como se o analista estivesse analisando seu próprio sonho – assim como faz Jung em relação à série de sonhos que amplia na obra Psicologia e a alquimia –, uma vez que não se têm aqui o contexto e as associações livres do sonhador, que seriam necessários para uma análise propriamente dita. Palavras-chave: sonhos, Akira Kurosawa, Van Gogh, corvos, fatores criativos.
Renata A. Borges
Quando os deuses invadem o sonho: uma odisseia coreana
(Renata Almeida Borges)
De maneira especial, este artigo seleciona, não um sonho onírico propriamente dito, mas um padrão mítico da relação Eros e Psique para representar um grande sonho. Uma Odisseia Coreana é o título de uma série de televisão, da qual tomaremos a personagem principal, Jin Seo Mi, como representação da alma humana. Os personagens Rei Demônio Woo e Son Oh Gong serão analisados como representações de padrões arquetípicos, sendo Son Oh Gong estudado como uma personificação de Eros. Os arquétipos são padrões existentes a priori que constelam em torno de si fascínio e repúdio, bem e mal, loucura e sabedoria. Com isso, influenciam autonomamente a psique, em princípio, podendo ser despotencializados se integrados à consciência, o que propicia a transformação da personalidade. Faremos um breve relato de alguns aspectos da série (ao modo de quem conta um sonho), desde o momento em que a menina se depara com tais personagens, até o momento em que, já adulta, a sonhadora reencontra mais uma vez o mesmo padrão arquetípico (Eros), devendo manejá-lo desde sua imaturidade até o ponto em que ambos se transformem. Isso ocorre através de um longo e doloroso processo que, com base em Jung, podemos denominar individuação. Palavras-chave: Odisseia coreana, sonho, arquétipos, individuação, Eros.
Bianca Strapasson2
Nekyia: sonhos de descida
(Bianca Strapasson)
Carl Gustav Jung (1875-1961), ao longo de sua obra, traça paralelos entre os mitologemas e os pensamentos dos povos para abordar a existência de modos de funcionamento da psique, independentemente de cultura e tradição, demonstrando que há partes da psique que ultrapassam a experiência pessoal e podem ser detectadas comprovadamente no inconsciente. A maior prova disso é a reprodução espontânea de imagens em que o material experimental é encontrado também nos sonhos. Para entrar na simbologia onírica, pouco compreensível à razão, os mitos são uma das ferramentas mais adequadas, pois trazem consigo analogias para diferentes padrões de comportamento; estes últimos são os representantes das dominantes que, em todo lugar e tempo, exprimem-se de maneira relativamente idêntica, intimamente ligados a imagens de situações típicas dos impulsos instintivos, os arquétipos. Para conhecê-los, porém, necessariamente há que se experimentar uma descida ao fundo mais obscuro da psique, a sombra. A nekyia, descida ao submundo − relacionada aos sonhos neste artigo −, traz consigo a possibilidade de um religare dos opostos, e a compreensão do papel fundamental dos mitologemas que acompanham tal descida é essencial para um processo de ampliação da consciência. Palavras-chave: Jung, sonhos, nekyia, descida, mitos.
Ana Silvia de Andrade2
A vocação de São Francisco de Assis : um chamado através dos sonhos
(Ana Silvia de Andrade)
São Francisco de Assis é aquele que, através dos sonhos, recebe as visitas de Deus, o Senhor. Os sonhos como que o despertam para a vida interior, que hoje a psicologia analítica designa como mundo da psique, ou mundo da alma. Inicialmente ele toma os sonhos de forma literal, o que o leva a executar certas ações e obras no mundo externo; aos poucos, começa a entender que as mensagens daqueles sonhos eram um chamado para a sua vocação mais profunda. O Senhor, expressão sempre presente nas falas de São Francisco, sugere, ao mesmo tempo, uma associação com a designação de Jung à imago Dei, isto é, ao si-mesmo, centro organizador da psique, como será apresentado neste artigo. Alguns dos sonhos do santo são marcados por eventos de sincronicidade, conceito este ligado tanto à vida do indivíduo em particular, quanto aos fenômenos diretamente vinculados ao meio e/ou à sociedade que o cerca. Entre os sonhos que trazem essa marca, encontra-se o sonho da árvore majestosa e o sonho do Papa Inocêncio III. Este último inspirou o papa a aprovar a Ordem fundada por Francisco de Assis e a sua missão. Palavras-chave: São Francisco de Assis, sonho, psique, imago Dei, sincronicidade.
Jorge M. V. Secco Caetano
Uma abordagem exploratória à Exegesis de Phillip K. Dick: as experiências visionárias e os sonhos do escritor
(Jorge M. V. Secco Caetano)
Philip Kindred Dick (PKD), escritor de ficção científica, escreve sua Exegesis (exegese) durante seus últimos oito anos de vida, sem concluí-la, e deixa nela relatos de suas experiências visionárias, sonhos, impressões visuais e tentativas de interpretá-los; bem como pensamentos e possíveis explicações para o que viveu. Aborda-se a exegese do escritor, em caráter exploratório, por meio de um método alusivo ao do filósofo alemão Martin Heidegger em a coisa e a obra de arte, que estabelece três campos de características fundamentais à apropriação do símbolo na obra literária: material, forma e finalidade. Verifica-se que a exegese aponta, enquanto finalidade, para o processo religioso de PKD, sua religio, que atravessa três importantes experiências visionárias, fruto das irrupções do inconsciente em sonhos e impressões visuais. Os fragmentos estudados da exegese ainda oferecem material psicológico indicativo da função religiosa da psique, das transformações na personalidade de PKD, da função transcendente da psique e da possibilidade de estudos futuros acerca do eventual conteúdo visionário. Palavras-chave: função religiosa, experiências visionárias, sonhos, Exegesis, PKD.
Sonia Lyra
Sonhos e os rituais de iniciação
(Sonia Lyra)
Iniciatory Dreams (sonhos iniciáticos) é um tema que apresentamos pela primeira vez em 2019, no 36h Annual International Dream Conference, em Kerkrade, Holanda, ampliando a classificação dos sonhos proposta por C. G. Jung em A dinâmica do inconsciente (Obras Completas, v. 8)), onde não consta essa categoria. A presença de ritos iniciáticos no sonho anuncia um novo estágio evolutivo da consciência − o psíquico/espiritual, envolvendo experiências dramáticas de morte e renascimento por meio do sacrifício. São sonhos aparentemente raros, provenientes da camada profunda do inconsciente denominada inconsciente coletivo, constituído por forças que têm uma capacidade tremenda de gerar transformação: os arquétipos. Os ritos de iniciação, de modo geral, podem ocorrer em grupos específicos, sociedades secretas ou até mesmo na vida de indivíduos particulares, mas também podem acontecer nos tempos do sonho, e por meio deles o iniciado deve penetrar em um outro mundo. No entanto, esse outro mundo alarga continuamente as suas fronteiras chegando ao país dos mortos, aos reinos encantados e milagrosos, e ao mundo divino, que é o plano tanscendente. Toda prova iniciática traz consigo dificuldades que, para serem transpostas, exigem do iniciado coragem, resistência moral e física, e também confiança e fé, além da capacidade de estar a sós consigo mesmo e em silêncio. Alguns desses sonhos serão aqui apresentados e comentados. Palavras-chave: sonhos iniciáticos, ritos de iniciação, arquétipos, iniciado, sacrifício.
Adelaide de Faria Pimenta
O pesadelo como via de acesso à Imaginação Ativa
(Adelaide de Faria Pimenta)
Os pesadelos − também chamados sonhos terríveis, por apresentarem imagens e cenas carregadas de intensas emoções, dolorosas, apavorantes, por vezes paralisantes − ocorrem nos momentos em que a consciência se encontra fortemente polarizada em relação ao inconsciente. Para fundamentar este trabalho, foi escolhido um pesadelo extremamente perturbador que refletia a perigosa situação psíquica, e mesmo físico-biológica, em que o sonhador se encontrava. Na práxis analítica, a técnica da imaginação ativa é uma das propostas oferecidas por Jung para abordar o inconsciente de forma direta e consciente, e a mesma foi utilizada tomando o pesadelo como via de acesso, visando assim a um processo de transformação. Além do relato do pesadelo, o mesmo será feito com algumas partes da imaginação ativa. Antes, porém, pretende-se apresentar o caminho teórico proposto por Jung para a abordagem dos sonhos, e os conceitos que foram embasados por sua própria autoexperimentação, como se vê em seus relatos em Os livros negros: 1913-1932, cadernos de transformação. O objetivo da técnica da imaginação ativa é bem explicitado pelo subtítulo dos seus cadernos de anotações pessoais, nos quais registrou as imagens e diálogos com as figuras interiores. Polarizado entre uma excessiva ênfase no mundo da ciência e das relações externas e um jorro de imagens do inconsciente que não conseguia compreender, o resultado dessa prática foi, para Jung, a liberação de um fluxo criativo da energia psíquica. Do mesmo modo, ao se propor o uso da técnica da imaginação ativa a partir do pesadelo, buscou-se restaurar a dinâmica da energia psíquica do sonhador, visando a liberação da libido, antes estagnada, para dar também início a um fluxo criativo da energia psíquica. Palavras-chave: sonhos, pesadelos, técnica da imaginação ativa, transformação psíquica, fluxo criativo.
mariana godoy
O chamado para a aventura heroica: o ato inicial de um destino através dos sonhos
(Mariana Godoy Casotti Branco)
A jornada do herói é uma jornada mítica de transformação e de aproximação dos mundos denominados divino e humano. Ela obedece impreterivelmente a uma estrutura formada pelas etapas da partida, realização e retorno. Em seu percurso, o herói deixa os caminhos conhecidos e seguros, vivencia uma série de provações e retorna com aquilo que conquistou e que constitui um valor para a comunidade. Através das etapas, experiencia um processo de transformação que retira o sujeito de uma vida inautêntica e impessoal e o conduz à possibilidade de viver sob os seus próprios termos e sua lei interior. Tratar-se-á neste artigo, por meio da análise de sonhos, da etapa da jornada do herói denominada partida, com suas nuances características. Pretende-se também, por aproximações da vida cotidiana e ordinária, estimar a possibilidade de percepção da presença desse poderoso mito em vidas individuais. Atualmente o homem se encontra muito distante do mundo mítico, dos contos de fadas e lendas e, consequentemente, de suas imagens e de tudo aquilo que elas representam. Dessa forma, os sonhos ganham ainda maior relevância, uma vez que são capazes de fornecê-las e, além disto, revelar dimensões desconhecidas do que se passa na psique. Palavras-chave: psicologia analítica, sonhos, mito do herói, chamado para a aventura, mitologia.
Iara Roman
Quando uma voz fala nos sonhos
(Iara Roman)
Em seu livro Psicologia e religião oriental e ocidental, Jung cita o sonho de um paciente (entre outros, será abordado aqui) que relatou ouvir no sonho uma voz que lhe dava orientações; embora não parecessem adequadas, ele as acolhia e aceitava. Impactado com o fenômeno da voz, percebeu que o sonho produziu uma transformação profunda em suas atitudes frente à vida. O que a voz diz tem, de fato, um caráter de verdade irrefutável, às vezes procedendo de um indivíduo imperioso, ou simplesmente de ninguém. Jung observou o fenômeno da voz em muitos sonhos e visões que analisou e que o levaram a refletir sobre a existência de uma psique mais ampla que a consciência: o inconsciente com seu núcleo organizador, o si-mesmo. Ao mesmo tempo centro e periferia do inconsciente, o si-mesmo passou a ser o eixo central de toda a sua psicologia. Ao longo de centenas de sonhos cuidadosamente anotados e analisados, constatou que a voz se revelou como representante essencial e determinante desse centro. O estranho fato de que os sonhos representem, por um lado, a voz e a mensagem divinas e, por outro, uma inesgotável fonte de tribulações, mostra que eles são muito perturbadores e requerem um olhar cuidadoso. Palavras-chave: voz, sonho, visões, natureza, personalidade.
Roselis Bittelbrunn
Sonhos redutivos
(Roselis Bittelbrunn)
É regra absoluta na psicologia analítica que todo sonho ou impressão visual seja considerado como algo desconhecido. Também é parte da regra que toda e qualquer tentativa de interpretação de um sonho só seja feita após a captação do contexto. Não se deve esperar de forma alguma que o sentido aparente, isto é, o conteúdo manifesto, corresponda a qualquer expectativa subjetiva, pois, possivelmente, o ponto de vista do inconsciente é complementar ou compensatório com relação à consciência. O que se quer com este artigo é rever de forma ampla o significado de unilateralidade da consciência. E também de que forma o sonho pode realizar essa compensação, uma vez que se trata de um ajustamento psicológico necessário ao equilíbrio psíquico, que reúne todo o material que foi ignorado, desprezado ou recalcado. Para isto, entre os muitos exemplos possíveis, escolhemos o sonho de Nabucodonosor para ser examinado juntamente com outros sonhos redutivos, que parecem exercer da mesma forma uma função compensadora, pois trazem consigo poderosas e avassaladoras perturbações psíquicas. Palavras-chave: sonhos, função compensatória, unilateralidade, psicologia analítica.
Rejane Natel
Sonhos no xamanismo
(Rejane Maria Gomes Leite Natel)
As sociedades xamânicas dão ênfase aos sonhos, tratando-os como mensagens vindas do mundo espiritual. Para essas sociedades, todo o universo é permeado pelos conhecimentos de seus ancestrais e divindades, que se manifestam em um universo sem divisão entre o sagrado e o profano, o mundo espiritual e material. Assim, os sonhos são sinais, evidências de comunicação entre dois mundos, o da matéria e o do espírito. É comum nessas sociedades os sonhos serem contados aos xamãs, cabendo a estes determinar sua importância e significado. São acolhidos como mensagens e comunicados dos espíritos, quer se trate de doença do sonhador, quer sejam premonições, ou providências e aconselhamentos relativos a toda a coletividade. O caráter religioso presente na sociedade xamânica nos remete à função religiosa do inconsciente pessoal e coletivo; para Jung, a função religiosa da psique refere-se à necessidade psíquica de integração de imagens de divindades presentes no inconsciente. Na psicologia analítica é fundamental abordar o significado dos sonhos e o sentido desse contato entre o mundo interior e sua relação com o mundo externo, pois eles expressam elementos de um universo inconsciente cujo objetivo latente é tornar-se consciente, conhecido e significativo para o sonhador. Palavras-chave: sonhos, xamanismo, função religiosa, inconsciente pessoal, inconsciente coletivo.
Sonia Lyra
Sonhos proféticos
(Sonia Lyra)
Intrigantes, raros, de difícil discernimento até que um longo tempo confirme se eram ou não uma profecia, os sonhos proféticos constam da classificação dos sonhos na psicologia analítica de Jung. Pretende-se investigar aqui se, além dos grandes sonhos bíblicos, ocorre a alguém ter sonhos proféticos e os relate, de maneira que possam vir a ser reconhecidos como tal. Para isso, retoma-se o conceito de profecia, revendo em paralelo alguns exemplos de possíveis sonhos proféticos. Também cabe investigar se o próprio Jung, como dizem alguns de seus críticos, seria um profeta que seguiu as pegadas de seus sonhos, e a sua psicologia, uma ciência visionária. Sua vida, seus sonhos, suas imaginações ativas, tudo aponta para a realização de um trabalho que, de fato, prepara o futuro. Teria sido esse um fruto de inspiração divina? No sonho denominado Liverpool, só ele (como sonhador) viu a árvore que lhe apareceu radiante, enquanto outros que ali estavam de pé, na escuridão, nada viam. A percepção que o sonho lhe trouxe sugere que o si-mesmo – começo, meio e fim do processo de individuação, processo este não linear – consiste numa circum-ambulação em torno de um centro, o qual recebe várias denominações. Esse sonho revela que o si-mesmo, como função salvadora, quer consolidar essas intuições para que repercutam na psicologia do futuro, futuro esse que vivemos agora. Palavras-chave: sonho, profecia, individuação, futuro, si-mesmo.
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